O governo de Cuba tenta mais uma vez controlar a internet.
Pouco mais de um mês após os protestos em massa que abalaram o país — e que foram convocados por meio das redes sociais —, as autoridades da ilha publicaram na última terça-feira (17) uma série de regulamentos que tipificam pela primeira vez o que consideram crimes cibernéticos passíveis de processo criminal.
Mas vão muito além: consideram como “incidentes de cibersegurança” desde ataques de vírus e “falhas elétricas” até a possibilidade de usar as redes sociais para convocar uma passeata, criticar o governo, pedir ou incitar uma mudança no sistema.
Os meios de comunicação oficiais classificaram a iniciativa como “as normas de tecnologias da informação e comunicação de mais alto nível aprovadas em Cuba” e asseguraram que buscam oferecer o que definem como “uma internet ética e boa para a população”.
Nas redes sociais, cubanos a chamaram, por sua vez, de uma nova “lei da mordaça”, que eles acreditam que visa limitar a expressão e restringir seu discurso.
Especialistas em regulamentação da internet e organizações de direitos humanos também se manifestaram diante do que consideram medidas destinadas a eliminar o debate público.
“É grave pelo que diz e pelo momento em que está sendo publicada, um mês depois dos protestos, quando a comunidade internacional esperava mais um passo para ouvir a população e não para reprimir mais o discurso”, afirma à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, Pedro Vaca, relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
“Por um lado, os direitos humanos dos cidadãos não são reconhecidos, a liberdade de expressão não é reconhecida. E, por outro, o que os cidadãos podem ou não publicar na internet é visto a partir de uma perspetiva criminosa e de guerra”, acrescenta.
Os novos regulamentos foram publicados em um momento em que os cubanos usaram as redes sociais não só para denunciar os vários detidos no protesto de 11 de julho, que continuam presos, mas também as terríveis condições com as quais padecem com o colapso do sistema de saúde.
A ilha vive o pior momento da pandemia de Covid-19, com milhares de casos e dezenas de mortes todos os dias, hospitais superlotados, covas coletivas, falta de medicamentos, de oxigênio, de suprimentos e de pessoal, o que tem sido refletido sistematicamente por meio da internet em um discurso cidadão paralelo ao relato da imprensa oficial.
Os novos regulamentos
Vários países do mundo aprovaram — ou propuseram — regulamentos para controlar a disseminação de certas mensagens na internet, sobretudo discurso de ódio, difamação, incitamento à violência ou “terrorismo”.
Segundo as autoridades cubanas, esses também são alguns dos objetivos das normas que acabam de anunciar.
“Nosso Decreto-Lei 35 (um dos aprovados) vai contra a desinformação e as ‘cibermentiras'”, escreveu o presidente Miguel Díaz-Canel no Twitter.
O vice-ministro das Comunicações, Ernesto Rodríguez Hernández, afirmou, por sua vez, que as novas normas “promovem o avanço da informatização da sociedade, defendendo os direitos dos cidadãos consagrados na Constituição: igualdade, privacidade e sigilo das comunicações”.
Mas os especialistas consultados pela BBC News Mundo destacam que, diferentemente do que fizeram outros países, as novas regulamentações em Cuba parecem ter uma matriz ideológica (o texto de um dos decretos esclarece que visa “defender as conquistas alcançadas pelo Estado Socialista”) e que são voltadas a conter qualquer crítica ao sistema.
Os regulamentos estabelecem 17 delitos ou “incidentes de cibersegurança”, com “níveis de periculosidade” que vão de “médio” a “muito alto” — e, em muitos casos, é o conteúdo político que determina a periculosidade.
Para se ter uma ideia, diferentemente da maioria das normas internacionais de internet, a cubana não menciona nem parece buscar o combate à pornografia infantil, crime que está por trás das leis de controle de conteúdo em todo o mundo.
A regulamentação cubana apenas menciona a pornografia como “difusão e distribuição” de “material pornográfico” — e a considera como tendo um nível de periculosidade “médio”.